terça-feira, 11 de março de 2014

Um pouco sobre as teorias de Michael Chekhov

Trecho do livro ¨Para o Ator¨ de Michael Chekhov. Um capítulo que acredito ser muito interessante e importante para o ator: ¨Imaginação e incorporação de imagens.¨

Quanto mais o ator trabalhar em cima de sua imaginação, robustecendo-a por meio de exercícios, mais cedo surge em seu intimo uma sensação que poderá ser descrita como algo assim: "As imagens que vejo com o olho da mente têm sua própria psicologia, à semelhança das pessoas que me rodeiam em minha vida cotidiana. Entretanto, uma diferença: na vida cotidiana, vendo as pessoas somente por suas manifestações exteriores e nada vislumbrando por trás de suas expreses faciais, movimentos, gestos, vozes e entonações, eu poderia julgar erroneamente suas vidas interiores.
Mas isso não ocorre com minhas imagens criativas. A vida interior delas estão completamente aberta a minha contemplação. São reveladas todas as suas emões, seus sentimentos, suas paixões, seus pensamentos, seus propósitos e seus desejos mais íntimos. Através da manifestação exterior de minha imagem - ou seja, da personagem que estou trabalhando por meio de minha imaginação -, vejo sua vida interior."
(Quanto mais a fundo e mais atentamente vo olhar sua imagem, mais depressa ela despertara em vo sentimentos , emoções e impulsos volitivos à sua interpretação da personagem. Esse "olhar", nada mais é do que ensaiar por meio de sua bem desenvolvida e flexível imaginação. Michelangelo, ao criar Moisés, não só "viu" os sculos,  o  ondulado da barba, as pregas da roupagem, mas, indubitavelmente, "viu" também a forra interior de Mois que tinha criado... Músculos, veias, barba, pregas da roupagem e toda a composição rítmica. Leonardo da Vinci era atormentado pela ardente vida interior das imagens que "via". Essa é uma das mais valiosas e importantes funções da imaginação, desde que esforce por desenvolver em alto grau. Começará por aprec-Ia assim que perceber de que não necessita "espremer" seus sentimentos para extraí-los de seu eu. Por que eles surgirão por si mesmos de seu intimo, sem esforço,
com desembaraço, assim que você aprender a "ver" a psicologia, a vida interior de suas imagens. E, assim como Michelangelo "viu" a foa interior que criou a aparência externa de Moises, se você, como ator também "vir" e vivenciar a vida interior de sua personagem, será sempre instigado a encontrar novos, mais originais, mais corretos e mais adequados meios de expressividade exterior no palco. Quanto mais desenvolvida é sua imaginação, por meio  de exercícios sistemáticos, mais flexível e ágil ela se torna. As imagens sucedem-se com rapidez crescente: formam-se e desaparecem depressa demais, em fugaz sequencia. Disso pode
resultar que você as perca antes de elas poderem despertar seus sentimentos. Você deve possuir suficiente força de vontade,mais do que em geral exerce nas atividades cotidianas, para conserva-las diante dos olhos da mente por tempo suficiente para que elas afetem e despertem seus próprios sentimentos.
Em que consiste essa adicional força de vontade? No poder de concentração.
Antecipo-me a sua pergunta: "Por que devo dar-me ao laborioso esforço de desenvolver minha imaginação e aplicá-Ia ao trabalho em peças modernas, naturalistas, quando as personagens serão obvias e fáceis de entender?¨ Quando as falas e as situações fornecidas pelo autor cuidarão de tudo?" Se essa é sua pergunta, permita-me discordar. O que o autor Ihe entregou, na forma de uma peça escrita, é a criação dele, não a sua; ele aplicou o talento dele, não o seu. Mas qual é sua contribuição para a obra do autor? Em meu entender, ou deve ser, a descoberta da profundidade psicológica da personagem que Ihe é dada na peça. Não existe um ser humano que seja obvio e fácil de compreender. O verdadeiro ator não desliza pela superfície das personagens que interpreta, nem explora seus maneirismos pessoais e invariáveis. Sei perfeitamente bem ser esse o costume largamente reconhecido e praticado, hoje em dia, em nossa profissão. Mas, seja qual for a impressão que isso possa causar-lhe, permita-me a liberdade de expressar-me sem restrições sobre esse ponto. Em um crime acorrentar e aprisionar um ator dentro dos limites de sua (assim chamada) "personalidade", convertendo-o mais num trabalhador escravizado do que num artista. Onde fica sua liberdade? Como pode ele usar sua própria criatividade e originalidade? Por que deve ele aparecer sempre diante do publico como uma marionete compelida à fazer a mesma espécie de movimentos? Um dos mais decepcionantes resultados provenientes desse tratamento habitual do ator foi fazer dele um ser humano menos interessante no palco do que invariavelmente o é na vida privada. (Seria infinitamente melhor para 0 teatro se 0 inverso prevalecesse.) Suas "criações¨ não são dignas de si próprio. Usando somente seus maneirismos, o ator acaba destituído de imaginação; todas as personagens se tornarão a mesma.

 Um pouco de prática

Inicie seu exercício com recordações de eventos simples e impessoais (não de suas pprias emoções ou  experiências intimas da vida real). Tente recordar a maior numero possível de detalhes. Concentre-se nessas recordações, procurando não romper a fluxo de sua concentração. Simultaneamente a esse exercício, comece treinando-se em capturar a primeira imagem no próprio momenta em que ela aparece aos olhos de sua mente. Faça o do seguinte modo: apanhe um livro, abra-o numa pagina ao acaso, leia uma palavra e veja que imagem essa palavra faz surgir em seu espírito. Isso lhe ensinará a imaginar coisas, em vez de se limitar as concepções abstratas, inanimadas, dessas coisas. As abstrações são de muito pouca utilidade para um artista criativo. Depois de um pouco de pratica, você notara que cada palavra, mesmo palavras como "mas", "e", "se", "porque", etc., evocarão certas imagens, algumas delas, talvez, estranhas e fantásticas. Fixe sua atenção nessas palavras por um momento, depois prossiga em seu exercício do mesmo modo, com novas palavras. Após um certo tempo, passe a etapa seguinte do exercício: tendo captado uma imagem, observe-a e aguarde até que ela comece a movimentar-se, a mudar, a falar e a "atuar" por si só. Atente para 0 fato de que cada imagem tem sua própria vida independente. Não interfira nessa vida, mas acompanhe-a pelo menos por alguns minutos. O passo seguinte: crie de novo uma imagem e deixe-a desenvolver sua vida independente. Depois, passados alguns instantes, comece a interferir nela fazendo perguntas ou dando ordens: "Quer mostrar-me como você se senta? Como se levanta? Como caminha? Como sobe e desce uma escada? Como se encontra com outras pessoas?" E assim por diante. Se a vida independente da imagem adquirir for excessiva e a imagem se tornar obstinada (como ícone frequente), converta as solicitações em ordens. Prossiga com perguntas e ordens, agora de uma natureza mais psicológica: "Que aparência tem quando está desesperado? Bem-humorado? Dê boas-vindas cordiais a um amigo. Encontre um inimigo. Mostre-se desconfiado, pensativo. Ria. Chore." E muitas outras perguntas e ordens semelhantes.